O brincar é provavelmente a atividade mais importante que uma criança exerce. Brincando, desenvolve habilidades da parte motora e da mente; o corpo se exercita e aprende a viver em sociedade; do ponto de vista emocional, a criança que brinca se diverte e fica feliz, cresce saudável. A brincadeira faz a criança sorrir. Ganhar presente também. O Dia das Crianças está chegando e adultos se mobilizam para atender aos pedidos. Mas, os brinquedos também são responsáveis por boa parte dos acidentes com crianças. Dos quatro aos 14 anos, é frequente a criança se machucar, sofrendo lesões do tipo torção, batida, corte, raladura ou fratura. Segundo o Ministério da Saúde, quedas representam 50% dos atendimentos de urgência em crianças no SUS – Sistema Único de Saúde. Em 2008, a Organização Mundial da Saúde divulgou um relatório alertando para a segurança com crianças, e estimou que 830 mil crianças morrem vítimas de acidente em todo o mundo, anualmente. No Brasil, são quase 5 mil mortes por ano e cerca de 137 mil crianças hospitalizadas, segundo dados do Ministério da Saúde, configurando-se como uma séria questão de saúde pública. Nosso objetivo é orientar e provocar a reflexão em relação à segurança das crianças.
Foto: Wagner T. Cassimiro |
Acidentes sérios, no geral, são provocados por bicicleta, skate, patinete e patins de rodinhas. Sobre rodas, as crianças ganham velocidade e a queda tem impacto bem maior. Por isso, o uso de bicicleta, skate, patinete e patins de rodinhas deve ser acompanhado de equipamentos de segurança. Tem criança que não quer colocar capacete, mas é ele que, muitas vezes, evita a ocorrência ferimentos graves. Lesões faciais, principalmente nos dentes, e traumatismo craniano, são comuns quando se cai de bicicleta, patinete, skate ou patins de rodinhas e poderiam ser evitados com o uso de capacete, que é item obrigatório mesmo que a criança tenha menos de quatro anos. Joelheira, cotoveleira e luvas são recomendáveis. Ainda falando em crianças sobre rodas, há pouco tempo esteve na moda o tênis de rodinha, um brinquedo a ser usado com critério. Não se trata de um calçado, portanto, não é adequado para o uso contínuo, por causa da falta de equilíbrio que proporciona.
Um brinquedo que é para lá de comum no Brasil e que não cai de moda é a bola. Hoje, chutar bola é hábito entre meninos e meninas e as contusões são frequentes. Alguns cuidados também podem ser tomados. Caneleira, joelheira, tornozeleira e meiões protegem os membros inferiores. Adultos podem cuidar para que sejam formados times com crianças de tamanho semelhante para evitar o choque entre corpos de tamanhos muito desiguais, o que poderia machucar mais os menores.
Quedas em velocidade e de lugares altos costumam figurar entre os acidentes graves. Subir em árvore é outra coisa que as crianças adoram fazer. E os adultos precisam supervisionar. Não permita que crianças subam ou se pendurem em galhos muito finos, verdes ou secos, porque o risco de cair é maior. É preciso ter cuidado com a altura.
Nem sempre o parquinho é um lugar seguro para brincar. É comum a criança voltar para casa esfolada ou até com um osso quebrado. Queda da gangorra ou ser atingido por um balanço em movimento, são episódios comuns. Brinquedos em má conservação, objetos pontiagudos, vidros quebrados ou latas são um risco. A supervisão de um adulto é importante para prevenir acidente. Escada e estacionamento são lugares perigosos para uma criança. A rua também. O ideal é que um adulto avalie o local, do ponto de vista da segurança, e delimite o espaço que a criança possa brincar. O adulto também precisa ficar supervisionando a brincadeira. No quintal, é preciso ter cuidado com ralos e cercas. Dentro de casa, tapetes e quinas são perigosos.
Não é simples perceber que ocorreu uma fratura em uma criança. O osso da criança não está totalmente mineralizado. É semelhante ao galho verde de uma planta: difícil de quebrar se comparado ao de um adulto, que se parte. Além disso, existem situações nas quais não há sinal de que sofreu uma fratura. Por isso, a maioria das vezes só é constatada a fratura em criança depois do exame médico. Então, quando a criança continua se queixando de dor, é sempre melhor levar para o médico avaliar.
A gravidade de quedas e contusões depende da maneira como se cai, da altura da queda, da superfície do impacto, do mecanismo do trauma e da parte do corpo atingida. O que mais preocupa é o traumatismo craniano pelo alto índice de mortalidade e sequelas. O trauma abdominal pode provocar hemorragia, lesões aos órgãos internos e requer atenção. As fraturas expostas precisam ser tratadas cirurgicamente em menos de seis horas, por causa do risco de infecção. A fratura de bacia e aquelas que afetam grandes vasos sanguíneos causam bastante sangramento, que precisa ser estancado. Traumas de extremidades podem levar a contusões, entorses, luxações e fraturas. Feridas superficiais atingem apenas a pele, o tecido subcutâneo ou o couro cabeludo.
A fratura no crânio pode ocorrer sem que haja um sintoma evidente, como coágulo e inchaço cerebral. Algumas vezes, a criança fica mole por alguns minutos, volta a brincar por horas e, só depois, perde o nível de consciência. Por isso, a lucidez não é o único elemento a ser avaliado. É preciso observar se está sonolenta ou tem dificuldade de acordar, se sente náuseas ou tem vômitos, convulsões, desmaios, tonturas, vertigens, sangramento ou saída de líquidos pelo nariz ou ouvido; dor de cabeça em progressão, perda de força nos braços e nas pernas, amnésia, confusão mental ou comportamento estranho. O famoso “galo” é uma manifestação da pele, do tecido subcutâneo e do couro cabeludo. Quando a criança bate a cabeça é comum ficar mole logo após a pancada e se restabelecer em poucos minutos, voltando a conversar, se movimentar e a brincar.
Crianças andam, correm, brincam e caem, é natural. A supervisão constante é a melhor medida a ser adotada para que a criança não se machuque. Pense que o bebê não deve ficar sozinho (no trocador, na banheira, no sofá, na cama) até as grades do berço devem ser proporcionais ao seu tamanho quando ele começa a ficar em pé, não é? A criança também precisa ser cuidada. Mesmo as maiores, muitas vezes se machucam por falta de alguém que dê um alerta para o perigo. Cabe aos adultos manter a casa segura, com janelas com grades e tanques, eletrodomésticos como TVs e móveis de grandes dimensões devem ter fixação e apoio adequados para evitar que caiam sobre as crianças. Piso antiderrapante, sem tapete, e corrimão nas escadas. Ambiente com boa iluminação (seja natural ou artificial) e arejado. Ao ar livre, o melhor é brincar na grama ou na areia, que em caso de queda tem menos impacto. O trauma é uma das principais causas de morte em crianças e jovens, e um dos maiores problemas de saúde pública mundial. Quando há sobrevida, as sequelas temporárias ou permanentes têm um índice elevado. Todos concordam que criança que não sabe nadar não deve entrar na água sozinha, mas, mesmo assim, o afogamento é o acidente que mais mata crianças no Brasil. Então, todo cuidado é pouco e a criança precisa mesmo de proteção, para crescer saudável e feliz.
Fabio Ravaglia
Médico ortopedista e presidente, desde 2005, do Instituto Ortopedia & Saúde (IOS) – organização não governamental que tem a missão de difundir informações sobre saúde e prevenção a doenças, principalmente aquelas associadas à terceira idade, e que organiza o Projeto Cidadania – Caminhadas com Segurança, evento mensal que incentiva a atividade física e conta com uma feira de saúde aberta à população para a realização de exames gratuitos. O dr. Fabio Ravaglia é membro do corpo clínico externo dos hospitais Albert Einstein, Oswaldo Cruz, Sírio Libanês e Santa Catarina; membro emérito da Academia de Medicina de São Paulo (cadeira 118, patrono Ernesto de Souza Campos) membro titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia – Sbot; e diretor-presidente da Arthros Clínica Ortopédica.
O dr. Fabio Ravaglia é graduado pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp) com residência médica no Hospital do Servidor Público Estadual, especialização em coluna vertebral pelo Instituto Arnaldo Vieira de Carvalho (Santa Casa de Misericórdia de São Paulo) e mestre em cirurgia pela Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Foi o primeiro brasileiro aceito pelo programa do Royal College of Surgeons of England. Atuou como cirurgião ortopédico em hospitais ligados à Universidade de Bristol e fez especialização em cirurgia na Alemanha.
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