Estudo realizado na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP constatou que após o diagnóstico positivo de HIV, homens e mulheres sofrem piora em suas relações sexuais. Essa piora pode estar relacionada a inúmeros fatores, desde o desempenho até a frequência do ato sexual. Segundo a pesquisa, ao comparar homens e mulheres, foi possível perceber que cada grupo considera diferentes variáveis como causas da piora na vida sexual.
A psicóloga Lígia Polistchuck estudou o assunto em sua dissertação de mestrado Mudanças na vida sexual após o sorodiagnóstico para o HIV: uma comparação entre homens e mulheres, que foi orientada pelo professor Ivan França Junior. Ela constatou que algumas concepções construídas social e culturalmente sobre os universos masculino e feminino podem exercer influência para piora na vida sexual. Segundo a psicóloga, além de se depararem com tais concepções, atualmente os soropositivos ainda enfrentam, de certa forma, um suporte às vezes não adequado dado pelas instituições que se dizem especializadas. “Este suporte os reduzem ao diagnóstico da doença, sem atentar para os outros fatores que auxiliariam na promoção de sua saúde”, afirma Lígia.
A pesquisa, baseada na análise de questionários respondidos por 979 portadores de HIV, aponta as variáveis mais relacionadas à piora tratando-se de cada sexo. Há variáveis que protegeriam os soropositivos da piora na vida sexual, chamadas “protetivas”, e também variáveis que colaborariam para o agravamento da vida sexual. Para cada sexo, variáveis diferentes apresentam-se como mais expressivas, sejam protetivas ou não.
Por exemplo, para as mulheres, a falha de suporte do serviço de saúde, em diversos aspectos, é considerada muito significativa como causa de piora na vida sexual. Já para os homens, ter o número de parceiras sexuais reduzido após o diagnóstico apresenta-se como questão expressiva para o agravamento na vida sexual. Isso não os ajuda na tentativa de manutenção do “ser homem”, uma construção sociocultural.
Como “protetiva”, “a facilidade para falar com psicólogo às vezes” apareceu no universo masculino. Curiosamente, ao contrário do que se esperava baseado no senso comum de que mulheres conversam mais com os médicos — psicólogos e outros profissionais da área —, esta variável não foi expressiva para o universo feminino. Apesar disso, “a não abertura para falar com ginecologista sobre as relações sexuais” foi considerada um motivo expressivo de piora. A partir desta comparação, Lígia pôde confirmar a importância de ser oferecido um espaço para que as pessoas que vivem com HIV possam falar da vida sexual com o profissional de saúde. Este, por sua vez, deve ter um olhar mais atento às demandas não tão óbvias, ou que não se associem somente à prevenção ou ausência de doença.
Vida financeira e uso de drogas
O trabalho constatou ainda que questões que dizem respeito à vida financeira também exercem influência para as mudanças na vida sexual de portadores. No caso dos homens e das mulheres, respectivamente, estar empregado e receber um salário mediano, por exemplo, é considerado importante para as mudanças na vida sexual. Os homens, caso desempregados, têm mais possibilidade de apresentar piora. Esta piora aconteceria porque o homem é cobrado e/ou se cobra quando o assunto é “desempenho”, “poder”, “prover”, colaborando para o que a pesquisadora apontou sobre a influência das construções socioculturais associadas à vida sexual, além do diagnóstico positivo para o HIV.
No que diz respeito às drogas, a variável “fazer uso de maconha”, sendo este uso prévio ou atual, não determinado, apareceu como variável protetiva para os homens. Segundo a pesquisadora, “é possível associar este dado a duas questões: os efeitos do uso podem trazer um relaxamento que é útil se pensarmos na cobrança frente ao desempenho do homem na cena sexual. Ainda, o uso de droga pode se associar a uma construção de masculino valorizada, a de correr riscos, a de uma vivência e um saber sobre esta esfera”. É importante lembrar, segundo Lígia, que o efeito do uso é singular em cada organismo, o que não permite generalizações.
Para as portadoras de HIV esta variável não surgiu como associada à piora na vida sexual, revelando o quanto homens e mulheres são influenciados por variáveis diferentes em suas relações afetivas a partir do diagnóstico.
A pesquisadora utilizou duas amostras de portadores do vírus do Estado de São Paulo para realizar seu estudo: soropositivos que recebiam tratamento pela Casa da Aids, do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), e pelo Centro de Referência de Tratamento DST-AIDS (CRT). O estudo foi baseado em respostas a dois questionários: “Vulnerabilidade e o cuidado com as pessoas vivendo com HIV/Aids – Um estudo sobre a assistência às mulheres vivendo com HIV nos serviços públicos de saúde da cidade de São Paulo”, feito entre setembro de 1999 e fevereiro de 2000, e “Práticas sexuais e reprodutivas de homens vivendo com HIV que fazem sexo com mulheres na cidade de São Paulo”, realizado entre outubro de 2001 e fevereiro de 2002. Os questionários foram realizados por grupos de pesquisa interdisciplinar relacionados a universidades brasileiras.
Mais informações: (11) 82810723, email ligiapol@usp.br
Glenda Almeida
Agência USP
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